sexta-feira, outubro 31, 2003

flammae

Lambem os corpos moribundos, línguas descascam, corpos crepitam...
Azul-violeta vestidos, cobrem e descobrem o duro, matam com bocas, beijos de morte, quentes, ardentes num castanho-negro coberto... a descoberto dançam frenéticas, orgias de braços abraçados, dedos cruzados apertam a vida, esfumam a evidência de outrora.
Crescem, enlouquecem, endoidecem olhos espelham o quadro... preso no nada comem os sons, soltam os gritos, pedem o tempo, cobram o momento...
Aquecem libidinosos que as miram, descem-lhe a garganta, trepam o estômago agri-doce, despertam o monstro...

A ti por me queimares a pele, e refrescares a mente...

Dente ladrão

Um dente cravado no céu da boca, rompe o céu, Rasga o palatino que de vermelho se tinge. Entra mordaz no teu mundo...
Morde o que deixas sem guarda, deitado, esquecido, protelado para uma altura mais tarde. Ataca, traça, retarda, engole e cospe.


À C.S. por me queimar a ele, e refrescar a mente...

quinta-feira, outubro 30, 2003

Vida de cão!

Deixavam já por onde passava um riso nas caras de quem comigo se cruzava, não me importava, estava feliz... Andava, deambulava por entre os carros, aleatóriamente estacionados naquilo que alguém um dia chamou de passeio, asseio, era o que não via. Por entre um passo e outro descuidadamente pousava os pés, pareceria a quem me via que dançava e não andava, num e noutro carro deixava a minha marca, corroia-lhe o ser, já nada era como dantes, onde deveriam, onde estariam, onde estava aquele sobreiro que durante anos me dizia bons dias, e a acácia, que frondosa resmungava à minha passagem num resfolegar de folhas... onde estavam elas agora?; no seu lugar nasceram prédios, cresceram carros, as suas sombras cheiravam a nada.
Já nada era como dantes, olhei para cima e percebi que me compreendiam também. Arrastando os pés, todos os dias o Tristão, acompanhava-o, como podia, naquela volta rotineira, sim porque somos também de hábitos, não é nada exclusivo de uma raça, cansava-se já com mais pressa que as suas certezas, os passos saim-lhe já descompasados, mas não desistia. Todos os dias me acompanhava e sorria para quem de nós se risse... Fazia-o sem qualquer espécie de rancor, tiha chegado já a uma idade em que se permitia fazê-lo, eu por sua vez, nunca, mas nunca perceberia, de que tanto se riam eles? Voçes por acaso sabem?
Não me digam que é do meu agasalho, pois seria por demais estúpido, só um parvo poderia pensar que nós, os canideos, não sentimos frio. Sentimos e calor também. Aliás digo-vos que este kispo canino é do melhor, assenta-me que nem uma luva, até um capuz tem, sim que a chuva que vos molha também me molha, e não julgem que o Tristão não se incomoda, incomoda pois!, lá em casa nada e tudo tem o seu cheiro, mas uma coisa que com a idade não lhe passou foi supurtar o meu cheiro quando apanho aquela chuva indesejada, Aí de mim, nessa altura espeta comigo na banheira, e esfrega, esfrega, até se me arrepiam os pelos da cauda só de o imaginar...GRRR!... Tirando esse senão, Tristão cuida de mim como dos seus filhos, que aliás estão muito bem na vida, o João é professor de alguma coisa engenhocas em Londres, diz que é bonito, mas nunca lá me levou, afinal sou o cão de sua mãe!, por outro lado a Camila seguiu as pizadas de seu pai, o Tristão se bem se lembram, é pintora e parece-me que de renome. Como referi eu sou o Roliço, cão de água Portugues, de familia bem se pode dizer, e era o orgulho da Lurdes, a carinhosa esposa do Tristão e dedicada mãe de João e Camila, mas de nada lhe serviu essa delicadeza, morreu faz cinco anos para a semana, sinto-lhe a falta, sei que ao Tristão também, quando faço asneira, diz-me logo: " Cão velho! Mafarrico! Se aqui estivesse a Lurdes apanhavas com o jornal, a tua sorte é não mereceres estas letras!"
Vidas de Cão... até é uma boa vida!
Não se riam é de mim se me virem passar!

Trôpego

Dormente, demente...
Deitado numa cama que já não está...
mãos dadas com dedos emprestados;
mãos cansadas
mente cansada, esgotada, ao acaso deixa cair pensamentos nas mãos que não são dela
crescem num quintal alheio, colhem num repente o que não foi plantado pelo momento
florescem alheios à passagem do tempo
Pensamentos-alface, frases-tomate... fora do tempo
Colhidos em contratempo, por mãos dementes, inseguras, sem o acompanhar da mente
que fora delas comanda descomandada, trôpega...
Cansada
Quebrada,
Murcha nas mãos que não pegaram a tempo...
Por bocas-ouvidos cerrados pela fome...
famintas bocas, ouvidos moucos...
Estalam nas mãos, estalam as mãos...
um ruido surdo, inseguro, mudo...
ausente
mãos reprimem o pensamento
visão desfocada, num teclado de alfacese tomates
Dedos deslocados...alheados...
Correm desgovernados, em todas as direcções menos aquela...
deixam marcas no quintal-teclado...
o resultado:
Demência trôpega em mãos
com dedos alheados
com uma mente cansada.

quarta-feira, outubro 29, 2003

Sou Rico

Chegou-me um mail ainda não há cinco minutos, fiquei a pensar... dizia somente:
"O meu grande sonho é ser pobre um dia, porque ser todos os dias é ... lixado"

Lembrei-me por associação da música de Gabriel O Pensador, o resto do mundo; e da condição humana...
E não estou a falar do lugar comun, material, económico-financeiro, nem do faz de conta que tenho, tão em voga nesta sociedade onde frigorificos estão vazios e os bolsos cheios de nada...mas a máxima de "não basta sê-lo há que parecê-lo" é tão levada à letra. Não, nem pensei nisto à partida, mas sim no antipoda, naqueles que são efectivamente ricos, cheios, recheados e tenho encontrado tantos neste canto da vida (blogosfera), bem como na vida real. Deixa-me satisfeito que conheça alguns, que partilhem o meu ar, ideias e ideais, com discussões à mistura como se deseja, deixa-me um sorriso rasgado, quando leio, sem os conhecer, mas como se os conhecesse, uns e outros, mas outros há que os conhecendo, me orgulho de aqui estarem e que por cá fiquem muito tempo...
Resumindo; O meu grande sonho é ser rico um dia, porque não ser todos os dias é ...edificante

terça-feira, outubro 28, 2003

Mar salgado

Caem,
Mergulham no vazio, a correr
Têm uma pressa de morte, ressuscitam num mar
térreo, deslizante, rastejante ; No seu caminho batem, esbatem, explodem em nuvem de choro.
Juntas destroem , carregam, levam o caminho, abrem caminho...
As gotas, a água...
O mar de lama....
Correm gotas de teus olhos, esbatem na pele que as deixa sair, saem da morte interna, saem com a morte eterna, transportam juntas um dilúvio de incompreensão, desilusão...
E à sua passagem destroem, engolem o ser que as deixa, levado, quebrado, derrotado
Num choro de morte, esquecem a vida
São gotas de morte, o choro da alma azul-difusa...
São um mar de pele rosácea, salgado , indomado...
Saem de ti, mergulham em quem passa,
destroem o olhar de quem vê...
Corroem o ar que te rodeia, sentes que te falta o ar,
Soluças golfadas de ar, afogas-te, na morte do choro ...
sentes que te faltam as forças para dobrar a vontade de deixar ir,
de te deixares ir, braços em baixo,
desistes por momentos, breves, frios, leves, dirias mesmo que confortantes...
não fora o fogo que grita dos pulmões por ar
por golpes de ar ausente, a vida grita...
e no mar de dentro, afogas-te, requebras o ser...
sais de ti em gotas... tiram de ti as forças... em gotas de morte...
Ar! Ar! Sentes um fogo dentro de ti, cresce e apaga a água que te sai...
cais, dobras, quebras, desmaias a vida, deixas a morte, fria, azul, plana,
e no mar salgado vives... revives, recobras...
meio-viva deitas o corpo no chão da vida, sentes a dor nos pés... Vives!