sexta-feira, julho 16, 2004

o silêncio desceu assim

Deixava-me cair, flutuava ao vento, áptero, caía... descia em mim a calma do silêncio.Nos olhos batia um horizonte que não conseguia entrar, queria absorve-lo todo de uma só vez, escassez de tempo real, tingia sonho de prolongar... Voava, esvoaçava, flutuava... o lençol por cima teimava cumplicemente a resistência da descida. O vento na cara, o frio que descia até aos ossos, arrepiava, sentia vida dentro e todo um mundo ali fora. Estendi braços na ânsia de acariciar a terra, parecia veludo verde... E descia, crescia a cada bater de tempo... momentos antes a vida escorria-me da memória, a queda no falso azul era extasiaste, embriagante, o vermelho correu mais forte, o medo cresceu mais o que conhecia, o beijo negro da partida descia de mãos dadas nesses longos e intermináveis segundos, depois... uma mão segurou o corpo já no limite, o barulho, a neblina visual, tudo cessou...A calma instalou-se, o silêncio desceu leve, assim...
 
 
A ti Cát. S., a vertigem calma que transforma a minha existência

segunda-feira, julho 12, 2004

Quadro Vivo!

Cansaste de esperar, imóvel, deitado na tela, olhavas-me mortiço, cuspias a raiva na minha face, tremia de vergonha só de te deixar a um canto... Deixara-te de propósito numa espécie de tortura-exorcista, queria libertar-te, olhando-te nos olhos todos os dias...
Assim permaneceste, quedo, imóvel, quase uma estátua e não tela de sarja, a tua pele de tão intocada tornara-se já amarela, o teu cabelo deixara-o branco, sem querer tinhas envelhecido a tinta, os teus ombros descaiam agora no castanho outonal em que nasceste, na frouxidão do tempo.
Encostado, deitado no sofá, consumia imagens hertzianas, hipnotizava, ignorava-te olhando a caixa que te regelava para o canto mais escuro de mim...

Peguei no pincel navalha, esquartejei-te, pintei-te, deixei-te escorrer sangue-acrilico, choravas agora... era a felicidade, tinha voltado para ti, deixado o escuro, quebrado moléculas, criando outras moléculas, era para ti o sol do verão que te queimava há muito as costas incolores, indolores, que te aquecia os ossos madeira...

Estavas vivo, quadro meu!