Quadro Vivo!
Cansaste de esperar, imóvel, deitado na tela, olhavas-me mortiço, cuspias a raiva na minha face, tremia de vergonha só de te deixar a um canto... Deixara-te de propósito numa espécie de tortura-exorcista, queria libertar-te, olhando-te nos olhos todos os dias...
Assim permaneceste, quedo, imóvel, quase uma estátua e não tela de sarja, a tua pele de tão intocada tornara-se já amarela, o teu cabelo deixara-o branco, sem querer tinhas envelhecido a tinta, os teus ombros descaiam agora no castanho outonal em que nasceste, na frouxidão do tempo.
Encostado, deitado no sofá, consumia imagens hertzianas, hipnotizava, ignorava-te olhando a caixa que te regelava para o canto mais escuro de mim...
Peguei no pincel navalha, esquartejei-te, pintei-te, deixei-te escorrer sangue-acrilico, choravas agora... era a felicidade, tinha voltado para ti, deixado o escuro, quebrado moléculas, criando outras moléculas, era para ti o sol do verão que te queimava há muito as costas incolores, indolores, que te aquecia os ossos madeira...
Estavas vivo, quadro meu!
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