O silêncio de morte
O silêncio da morte tinha chegado. As pedras do muro choravam verde na mão que agora as alisava, não eram frias, nem duras, sentia-as mais como uma segurança.
A principio, julgara apoiar-se em grande e pesado corpo feminino coberto de veludo, os seus ouvidos ensurdeceram com o grito do silêncio, os olhos, esses, sempre tinham tido mais um pendor residual, ocupavam o espaço descuravam a função, tinham mudado para as extremidades...não olhava, não vi, senti-a, nunca sentira essa pena alheia por uma qualidade extra, por ver o que os outros olhavam, com os dedos.
Mas naquele dia, agora, que foi passado, tombou, deixou cair, foi obrigado a cair.
O barulho do bar girava e pulava por entre os que estavam, os corpos, deliciosas formas de vida...levava o copo à boca, da boca descia quente a queimar, e subia rápido ao pensar, o torpor físico não sobrepunha a euforia mental, e lá longe ouvia: "Tás bem, Zé?" ; se estava bem? estava no céu e eles nem sabiam, ali ao lado, à distância de um braço, voava, via as cores que nunca iriam sentir, os cheiros que nunca iriam comer, os sons que nunca os iriam aquecer... sentia.
Saíra, ainda lhe tinham apoiado o passo pelo cotovelo, pouco tempo, por pouco tempo sentira a quase partilha, conteve na boca o que a mente lhe gritava, queria gritar para que todos o ouvissem "Vocês não vêem?", abocanhara a frase no momento dos dentes e seguiu...
O som metálico marcava o andar, descompassado, fora de tempo, no ritmo que o corpo pedia pianíssimo pisar de calçada.
O grito dos pneus, fizera-o saltar, saltar não!, sair do céu em que estava e descer à terra, literalmente tinha descido à terra. -ainda balbuciou algo por entre o fio vermelho-quente que teimava em sair da boca, tinha ouvido, mão na parede, corpo no chão, um "que lindo! ...abrace-me, quero tanto!..."
O silêncio da morte tinha levado.